o luto da ausência

VÍDEO: desaparecimento de três mulheres intriga a região há mais de 4 anos

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)
Beatriz cultiva lembranças da mãe e melhor amiga, desaparecida há 4 anos

Família, amigos, trabalho. Tudo vai bem até que, de uma hora para outra, uma pessoa deixa seu convívio familiar e profissional para tornar-se uma desaparecida. Angústia, dúvidas e incertezas transformam a rotina. Conforme a assessoria de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, não há uma quantidade precisa de pessoas desaparecidas no Estado. Além disso, o número de ocorrências de desaparecimento registrado não reflete a realidade. Segundo as autoridades, grande parte das pessoas reaparecem e os responsáveis não oficializam o retorno. Na Região Central, alguns casos ainda são cercados de mistérios.


O delegado regional Sandro Meinerz, explica que nesses casos, a Polícia Civil deixa de fazer diligências, mas não consegue subtrair o desaparecido do sistema. Segundo ele, a grande maioria dos casos é de pessoas que saem sem comunicar a família e retornam dias depois:

- Temos catalogado que mais da metade (dos registros de desaparecimento) apareceu. São meninas que "fogem" com os namorados, cuja família não autoriza o namoro, maridos que somem sem avisar a esposa e retornam depois, pessoas com problemas atrelados a vícios, etc - diz.

Dentre os casos de desaparecidos, segundo Meinerz, a maioria é solucionada.

Sobre o tempo necessário para comunicar a polícia e dar início às investigações, o delegado esclarece que não existe um protocolo baseado em limite de tempo, tudo depende das circunstâncias relatadas pelos familiares:

- Se tem uma situação em que o quadro demonstra que a pessoa efetivamente está desaparecida não precisa esperar 12 horas, ou 24 horas. Há casos em que as pessoas somem e que há indicativo que aconteceu alguma coisa. Portanto, não é o tempo que vai definir, são as circunstâncias.

SEM PONTO FINAL
Alguns desses casos acabam sendo tratados como crimes de homicídio. Na Região Central, os sumiços de três mulheres são enigmáticos: Ana Lúcia Drusião, Elizete Vieira da Silveira e Daniela Ferreira. Elizete e Daniela estão desaparecidas há 8 anos. Ana Lúcia, há quatro. A suspeita é que elas tenham sido assassinadas.

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Só um crime chegou à condenação do acusado, o de Daniela, pela comarca de Agudo. O ex-marido de Ana Lúcia, apontado como responsável pela morte e ocultação do corpo, deve ir a júri popular em São Pedro do Sul, mas ainda não há data definida para o julgamento. Já o caso de Elizete nunca saiu da fase policial.

Para o advogado Daniel Tonetto, que atua na assistência de acusação dos casos de Ana Lúcia e de Daniela, em comum entre as histórias, as famílias vivem um misto de luto e dúvida.

- Quando se tem um homicídio comprovado e não se tem um corpo, o sofrimento da família é muito pior. O sofrimento é imensurável. Além da dor, tem aquela incerteza terrível. É incompreensível o sofrimento dessas famílias que não têm direito de se despedir dos entes.

A UM PASSO DO TRIBUNAL DO JÚRI 
O desparecimento da diarista Ana Lúcia Drusião completou quatro anos em 31 de maio. Na época, Ana Lúcia tinha 35 anos. Mãe de Beatriz, hoje com 22 anos, e de Elis, 14, Ana Lúcia foi vista pelas filhas pela última vez na noite do dia 30. No dia seguinte, seu carro, um Celta prata, foi encontrado em uma estrada a 300 metros de distância da casa dela, que fica na localidade de Três Coqueiros, em Dilermando de Aguiar, distante cerca de 30 quilômetros da área central de Santa Maria.

O marido de Ana Lúcia e pai das meninas, Antonio Adelar Rigão Stello, 54 anos, foi indiciado como suspeito e será julgado em júri popular por homicídio qualificado. A decisão foi do juiz Diego Viegas Sato Barbosa, da comarca de São Pedro do Sul em junho deste ano. A data do julgamento ainda não foi marcada. Ele aguarda o júri em liberdade.

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Apesar de o corpo nunca ter sido encontrado, o Ministério Público acredita que Adelar matou Ana Lúcia por não aceitar a separação. O processo relata que Ana Lúcia já estava à procura de um local para alugar em Santa Maria, onde tinha planos de morar junto com as filhas.

Beatriz, que hoje mora com a irmã mais nova em Santa Maria, diz que, apesar de ter convicção que a mãe foi morta pelo pai, é difícil conviver com uma série de perguntas que ficaram sem respostas. Uma delas é onde está o corpo da mãe. Não só a despedida das filhas foi impossibilitada pelo sumiço. Com a aproximação do Dia de Finados, Beatriz lamenta não poder realizar os rituais de homenagens típicos da data:

- Se tu tens um ente querido, tu levas uma flor, faz uma oração. A gente até vai a algum lugar, larga uma flor, mas a gente não sabe onde ela está.

Sem a localização do corpo, a causa da morte de Ana Lúcia também é um mistério:

- Há uma incerteza, todos os dias, de saber o que foi feito, o que aconteceu. Se a tivessem encontrado, teríamos um norte do que mais ou menos ela passou. Eu tenho certeza que foi ele (Adelar), mas não sei se ele deixou minha mãe passar frio, passar fome - relata Beatriz.

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Fotos de Beatriz com a mãe nas redes sociais e a palavra mãe adornada com um coração e uma estrela na descrição de seu perfil no WhatsApp revelam a importância e a presença da memória de Ana Lúcia na vida da filha.

- A gente sempre foi melhores amigas. Os anos passam, mas a ferida não diminuiu, bem pelo contrário, parece que ela vai aumentando. Antes eu tinha uma raiva, um ódio gigantesco dele (Adelar), hoje eu olho pra ele e sinto pena e nojo. Eu não consigo imaginar o porquê de ele ter destruído a nossa vida. Não consigo entender o que passou na cabeça dele - conta.

Na época do crime, Adelar foi preso, mas foi solto após o pedido de habeas corpus da defesa dele. Na reconstituição do crime, a Polícia indicou que havia inconsistências nas declarações dele. Ele também foi submetido ao teste do polígrafo, conhecido como detector de mentiras, que também apontou que o réu estava mentindo ao contar sua versão dos acontecimentos. Fabiano Braga Pires, advogado de Adelar acredita na absolvição do réu:

- Afirmo que o Conselho de Sentença (jurados) saberá aplicar a justiça e a absolvição do réu será uma consequência jurídica.

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)
Pedro Joceli foi o último a falar com a irmã Elizete, cujo caso segue sem esclarecimento quase uma década depois

MISTÉRIO DE QUASE UMA DÉCADA 
Eram 17h18min do dia 6 de janeiro de 2012 quando o telefone do mototaxista Pedro Joceli Vieira da Silveira, 48 anos, tocou. A irmã dele, Elizete, também mototaxista, ligou para perguntar quanto deveria cobrar por uma corrida de Santa Maria a Dilermando de Aguiar. Pedro não sabia, mas seria o último contato dele com a irmã.

Oito anos e nove meses depois, as notícias sobre o desparecimento e as buscas pela dentista Bárbara Machado Batista, que foi encontrada morta no dia 14 de outubro, reacenderam a angústia da procura por Elizete, na época com 31 anos.

- Esse desaparecimento (da Bárbara) mexeu com tudo de novo. A gente não tem nem suspeitos. Só sabemos que a moto e o capacete foram encontrados em São Vicente, às margens da BR. Testemunhas falaram para a polícia que viram ela encostada na moto, no trevo de Dilermando e São Pedro do Sul, com um homem junto dela. Mas a polícia foi atrás e não descobriu nada.

Elizete tem três filhos, que hoje têm 22, 18 e 13 anos. Há três anos também ganhou um netinho. Os dois filhos mais jovens moram com os pais de Elizete, em São Pedro do Sul. A filha mais velha é casada e também mora na cidade vizinha.

- Minha maior tristeza é pelo o pai e pela mãe. Isso destruiu eles. A mãe nunca mais viveu o que ela vivia antes, meu pai também. A gente nunca pensou que ia passar por um por um problema desse tipo. Não saber onde ela está e não saber o que aconteceu. Tem que entregar para Deus, mas eu ainda tenho esperanças de um dia saber o que aconteceu com ela - diz o mototaxista.

Até hoje o caso nem chegou ao Poder Judiciário. Ainda em 2012, o ex-companheiro de Elizete chegou a ser preso preventivamente, mas foi solto 30 dias depois, por falta de provas. O inquérito feito pela Polícia Civil chegou a ser concluído e foi encaminhado ao Ministério Público (MP) tratando o caso como homicídio. Porém, como ninguém foi indiciado, o inquérito foi devolvido à polícia, indicando a necessidade de novas diligências.

Este ano, o caso ganhou um servidor exclusivo para revisar o inquérito na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam).

- Houve uma série de diligências que não deram frutos, a gente depende de cartas precatórias (pedidos de diligências ou intimações entre delegacias de diferentes municípios) que não retornam. Tem um policial trabalhando só com ele (o inquérito), porque tem milhares de páginas. Estamos descartando o que não serve e revisando o que foi feito - conta a delegada titular da Deam, Elizabete Shimomura.

Conforme a delegada, a ideia é remeter a apuração ao Judiciário dentro de alguns meses, com ou sem indicação de autoria.

QUANDO A SENTENÇA NÃO É SINÔNIMO DE DESFECHO
A família de Daniela Ferreira também nunca teve a chance de se despedir. A jovem, que tinha 19 anos, saía de um baile e ia para casa no dia 29 de julho de 2012 na cidade de Agudo, quando não foi mais encontrada. Imagens flagraram Rogério Oliveira, à época apenado do regime semiaberto, caminhando em direção à jovem. A investigação policial apontou que Daniela teria sido estuprada e morta. O corpo nunca foi encontrado.  

O acusado de ter estuprado, matado e ocultado o cadáver de Daniela, Rogério de Oliveira, foi condenado a 36 anos e 10 meses de prisão, em junho de 2015.

Entre as provas da acusação, além das imagens das câmeras, há exames que comprovam que o material coletado na roupa de Daniela era compatível com o DNA do réu.

A defesa dele recorreu da decisão dos jurados e pediu que ele fosse submetido a novo julgamento, mas o recurso foi negado de forma unânime pelo Tribunal de Justiça. O advogado de Rogério, Sergio dos Santos Lima, disse que ele "nega veementemente o crime". Lima disse ainda que não deve recorrer novamente, pois o "mérito já foi julgado". 

Oito anos depois do desaparecimento de Daniela e cinco anos após o julgamento, cada dia é um novo desafio para a faxineira Celi Fuchs, 58 anos, mãe de Daniela: 

- A gente tem que levar a vida, a gente está vivo, tem que ir levando. Dói. Não é fácil para nós o dia a dia, mas vamos fazer o quê?

Sobre o julgamento, Celi acredita que a justiça foi feita, mas lamenta a lacuna que nenhuma sentença preenche:

- Foi feita justiça, agradeço ao advogado por tudo que ele fez pela minha família. Esse sujeito (o réu) tirou aquela parte, tirou isso de mim, falta aquela parte. Gostaria muito que ele confessasse onde deixou o corpo, mas acho que não vai falar.

Rogério cumpre a pena na Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm). 

*Colaborou Natália Müller Poll

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